segunda-feira, 11 de maio de 2009

Os olhos da noite






















Oh noite
despeja teu orvalho sobre nós
que o vento suave inunde o espaço
e leve o perfume de absinto até os meus sonhos
que tremulam num imenso varal imaginário
que o luar sereno e silencioso derrame sua luz
e clareie todo o campo onde florescem cerejeiras.
Nana Pereira


Ela programara tudo minuciosamente, nada podia sair errado!
Afinal, era o seu primeiro jantar à luz de velas.
Não pregara o olho durante toda a noite e apesar da sonolência, nunca estivera tão feliz assim em toda a sua vida.
A mesa da sala de jantar foi coberta por uma toalha branca com bordados delicados de flores cor-de-rosa, as velas também eram cor-de-rosa e no centro da mesa pousava um arranjo com ramos de flor de cerejeira.
Enquanto preparava a sobremesa, cantarolava uma música de Djavan que dizia "De tudo que há na Terra não há nada em lugar nenhum, que vá crescer sem você chegar..."
Sem dúvida, estava feliz como nunca estivera.
Os talheres, as taças para o vinho, o pão italiano, o patê que fizera com tanto amor, eram a prova de que nunca devemos desistir de um sonho.
Ali estava ela, com creme nos cabelos, no rosto, preparando-se para um jantar romântico com aquele homem que chegou de mansinho, despretensioso e um pouco tímido no início.
Por volta das 18:30h tudo já estava pronto, a mesa, o jantar, o cd com músicas de Rod Stewart no aparelho de som, o incenso de absinto e o kimono vermelho transparente, com desenhos em dourado.
Ah se ele soubesse o quanto havia esperado por esse momento!
No horário combinado, ele chegou com aquele sorriso que deixava-lhe à mostra uma covinha no lado esquerdo do rosto.
Decididamente foram feitos um para o outro, não havia dúvida!
Havia um certo ruído de corações pulsando, um perfume doce que emanava dos cabelos dela, um roçar de mãos , olhares de amor e desejo.
A noite estava perfeita, a janela entreaberta deixava entrar um vento suave que fazia a cortina tremular como se fossem arrepios.
Comeram, brindaram, tomaram o vinho, conversaram, riram das bobagens que ela soltava vez ou outra durante o jantar e amaram-se com o olhar.
Quando começou a tocar a música "night and day" , ele tirou-a para dançar.
Tomou-lhe as mãos, enlaçou sua cintura, aspirou o perfume de seus cabelos e colou seu corpo ao dela.
Dançaram como se estivessem nas nuvens, sob o olhar atento da lua e das estrelas.
E como na música de Chico Buarque, olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar, começaram a se abraçar ,e foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou.
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais.
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.

Nana Pereira

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Confissões de uma mãe


Minha relação com crianças sempre foi de uma certa estranheza.
Diferente da maioria das mulheres, nunca fui dada a fazer festinha para bebês e ficar encantada com nenenzinhos babões passeando no carrinho com sua mãe.
Fazer bilu bilu então, nem pensar.
Nunca tive esta vontade louca de ter filhos!
Talvez por vê-los sendo educados como bonecos ou como monstrinhos egoístas e sem limites.
Porém, aos vinte anos , uma semente em meu ventre transformou-me em árvore frutífera .
Nesse momento comecei a colocar em prática tudo aquilo que imaginava de como se devia educar uma criança.
Sem nenhuma experiência , fui desenvolvendo um tipo de educação personalizada, não estereotipada, nem copiada de livros.
Queria educar com conteúdo, com respeito , com humor e com amor.
Minhas filhas dormiam ao som de Berceuse em alemão e Frére Jacques em francês , cantarolados em voz baixa , quase num sussurro.
Brincávamos de aprender, líamos histórias , nas quais eu dava um final menos bobo e infantilóide, lia para elas Guy de Maupassant, contava as histórias das óperas, comprava livros que instigasse a inteligência , a criatividade e a sensibilidade.
Brincávamos de fazer poesias, desenhos, bordados, escrevíamos bilhetes e cartinhas umas para as outras.
Livros eram encontrados em toda a parte da casa, cartazes com citações, provérbios e declarações de amor eram espalhados pelas paredes, nas portas dos armários e na lousa que tínhamos na cozinha.
Não queria ter filhos, queria ser mãe!
Mãe de criaturas pensantes e amadas.
Aquelas festinhas da escola, as apresentações de música, as competiçoes de ginástica olímpica,as formaturas e os espetáculos de dança, eram compromissos importantíssimos e preciosos na minha vida.
Não, eu nunca quis ter filhos, queria ser mãe!
Não daquele tipo tradicional, mandona , autoritária e repressora, mas do tipo amorosa, conselheira , brincalhona e companheira.
Do tipo que diz não e explica os porquês, do tipo moleca que entra na dança e chora de tanto rir, do tipo que se coloca no lugar do filho e entende suas limitações.
Cometi alguns erros , mas quem não os comete?
O importante não é nunca errar, não pecar, não tomar decisões erradas e ser alguém exemplar.
O importante mesmo é é ter a coragem de admitir as falhas, a humildade de pedir perdão, calar na hora certa e falar quando a situação assim o exigir; o importante é deixar as lágrimas caírem e permitir que os filhos saibam que somos humanas , cheias de defeitos , manias e sonhos .
Não quero ser lembrada apenas num único dia do ano, não quero que me visitem por obrigação.
É muito pouco ser lembrada apenas nas datas comerciais, por isso não me desejem feliz dia das mães.
Deixo esta comemoração para aquelas que quiseram "ter filhos".
Para as outras, as que desejaram ser mães, minha simpatia e meu desejo de feliz vida , todos os dias.

Nana Pereira